À
medida que o segundo turno das eleições se aproxima, acirra-se o debate público
sobre as opções à mesa. Embora tenha prometido mil vezes a mim mesmo que
evitaria entrar em discussões inúteis, vez ou outra acabo sendo tragado por
elas. Parte da culpa é minha, confesso. Quando questionado sobre minhas opções
eleitorais, sinto-me impelido a demonstrar meu apoio ao PSOL, PSTU e PT.
Acostumados à homogeneidade ideológica presente em seus círculos de
convivência, a resposta causa espanto em meus interlocutores. Quando me
permitem, pacientemente explico a escolha.
Na
verdade, não vejo dificuldades em escolher entre o PT e o PSDB, já que ambos
possuem diferenças em vários pontos. No entanto, como diz o título deste texto,
o que impera é uma tentativa deliberada de confundir, anuviando essas
diferenças de conteúdo em assuntos caros à população carente. Não é
interessante discutir as políticas sociais, o salário mínimo, a educação, a
saúde ou a segurança, mas insistir na corrupção ou, quando muito, na inflação.
Partindo desse ponto, surge o discurso da mudança, fortalecido pelas “Jornadas
de Junho” e pela já superada ascensão da Marina Silva e sua “Nova
Política”. Votar no Aécio realmente representa uma mudança,
porém conservadora, que combina a manutenção do status quo com
o apaziguamento da luta de classes, neste caso com o fortalecimento da
repressão policial.
Felizmente,
essa constatação é cada vez mais clara para a população brasileira. O resultado
do primeiro turno mostrou claramente a clivagem socioeconômica dos eleitores.
São cada vez mais nítidos para o cidadão mais humilde os interesses que pautam
cada partido. Da mesma forma, embora caricato, acho coerente que moradores de
Higienópolis vociferem seu ódio contra a mudança e apoiem um programa político
que os favoreça. Uma vez que a maioria no Brasil é pobre, é necessário um
esforço tremendo dos tucanos para tentar destruir a imagem que o PT possui de
melhor opção para os pobres, esforço no qual contam com apoio sincero de boa
parte da imprensa.
Há
diversas formas de fazer isso. Uma, bem antiga, busca associar um partido à
moralidade e o outro à corrupção. Essa foi a principal estratégia do golpismo
da UDN contra Getúlio Vargas e Jango. Além do suicídio e do golpe, a ação
logrou eleger dois candidatos anódinos, Jânio e Collor. Se a pele de cordeiro não
veste bem o PSDB (mensalão mineiro, metrô, reeleição), seu candidato também não
fica atrás (aeroporto “público” em Cláudio, nepotismo). Isso não é, contudo,
suficiente para impedir que partido e imprensa deixem propostas de lado para
insistir no “mar de lama” do adversário1. Não cabe defender
corrupção de um ou outro lado, óbvio, mas vazamentos seletivos de
investigações, na véspera das eleições, enfraquecem a já frágil democracia.
Felizmente, parece que o veneno está voltando para o agressor.
A
segunda artimanha é tentar ganhar a paternidade do programa Bolsa Família no
grito. O programa é uma evolução do Bolsa Escola, feito no governo FHC. Daí a
dizer que o PT meramente seguiu uma política social do PSDB é de uma miopia sem
tamanho. Só quem não quer não percebe a brutal diferença qualitativa e
quantitativa que o programa sofreu a partir de 2003. Não foi apenas a
conjuntura econômica que favoreceu a ampliação do Bolsa Família, mas,
sobretudo, priorização no governo petista para as questões sociais. Embora o
Bolsa Família seja a política social de maior destaque no Brasil (e no mundo),
ele acompanha o Luz para Todos; Minha Casa, Minha Vida; Plano Brasil Sem
Miséria; Pronatec; Economia Solidária; Mais Alimentos; Pronaf etc. De forma bem
diferente, quando no poder (1994-2002), o PSDB priorizou a política monetária
(controle da inflação, juros altos), passando a conta aos assalariados
(desvalorização do salário mínimo).
Outra
da série “informar para confundir” é relativa à discussão sobre a economia.
Neste ponto, o PSDB resume o período FHC com base em apenas um indicador
econômico: inflação. Os tucanos ignoram todos os outros índices, como PIB,
balança comercial, desemprego, reservas internacionais, taxa de juros, salário
mínimo etc. Do mesmo modo, a crítica rasteira à economia atual limita-se à
inflação e ao PIB. Enquanto o crescimento econômico realmente encontra-se
baixo, não se pode afirmar o mesmo da inflação, ligeiramente superior ao teto2.
Sem desprezar os malefícios da inflação, deve-se esclarecer que a dificuldade
para controlar a inflação em períodos de crise é muito maior, por conta das
políticas anticíclicas (inflacionárias) de incentivo ao desenvolvimento, que,
se não aumentaram o crescimento, permitiram impressionante diminuição do
desemprego (4,9%)3. Em 2002, final do governo FHC, o desemprego
superava 11%4 e a inflação, contradizendo o atual discurso
tucano, chegou a 12,53%5.
Mesmo
admitindo que o governo Dilma deixou muito a desejar em diversos aspectos, as
eleições, ao contrário do que diz a grande mídia, não é um plebiscito. Votar na
Dilma não representa um endosso ou não ao seu governo, mas, sim, uma escolha
entre duas propostas bem distintas. Quero mudanças, sim, mas que transformem o
país de maneira ainda mais intensa. Ao contrário do que prega a imprensa, o
voto em Aécio representa um grande retrocesso. Detalharei essa questão no
próximo texto, ainda antes das eleições.
1- A expressão “mar de lama” era usada por Carlos Lacerda (UDN) para designar o governo de Getúlio na véspera do suicídio deste. Aécio requentou a expressão no debate da Band (14/10/2014).
2- O valor da inflação acumulada em 12 meses está em 6,75%, superior ao teto da meta (6,5%).
5- Calculadora da inflação. Utilize o período janeiro-dezembro de 2002. http://economia.uol.com.br/ financas-pessoais/ calculadoras/2013/01/01/ indices-de-inflacao.htm
Chama a Cristina Kichner!
ResponderExcluirbelo texto, Trujas. se o pior acontecer, resta esperar que isso leve a um realinhamento das esquerdas, com a criação de um partido aglutinando os nanicos (Psol incluso) e uma dissidência do PT. muito wishful thinking, eu sei, mas foi só uma ideia... sem falar que os movimentos sociais não estariam amortecidos pelo governismo acrítico.