Após
alvoroço dos industriais, a imprensa começou a dar maior importância para a
questão da desindustrialização no Brasil. Segundo a imprensa, o governo e a
burguesia industrial paulista, existe uma miríade de causas para o fenômeno,
como a concorrência chinesa, o “custo Brasil”, a pouca competitividade de
nossos produtores. O vilão principal, como todos concordam, é o câmbio
valorizado, que torna os produtos nacionais fracamente competitivos em relação
aos importados. Um rico vocabulário econômico foi forjado, com expressões como
“guerra cambial” e “tsunami de dólares”, que, se corretos na análise, são pouco
eficazes na solução do problema. O governo possui diversas ferramentas para
limitar a entrada de dólares, o que diminuiria a pressão sobre o câmbio, ou
para controlar as importações. Embora a associação câmbio-industrialização não
deva ser desprezada, trataremos dela subsidiariamente. Nosso objetivo é
relacionar o problema da desindustrialização ao surto agrícola dos últimos dez anos,
impulsionado pelos altos preços das commodities, e, sobretudo, à crescente
influência dos interesses da oligarquia agrária no Planalto.
Não
é o caso de ignorar a importância da agricultura para o país. É estreita a
relação das modernas produções de soja com a indústria de insumos,
fertilizantes, maquinário agrícola. Essa contribuição industrial, contudo, não
é significativa a ponto de justificar o descompasso da participação agrícola na
economia, que além de drenar recursos financeiros, direciona importantes
políticas governamentais para esse fim. A votação da nova Legislação Ambiental
é um exemplo. Lamentavelmente, rifa-se um imenso potencial econômico e
ecológico para favorecer o lobby da oligarquia agropecuária.
Ainda
que fujamos um pouco do assunto da desindustrialização, devem-se ressaltar
algumas consequências sociais da concentração do latifúndio da soja e do gado.
A busca de uma solução para o problema do campo está sendo negligenciada.
Enquanto a França busca uma política — diga-se de passagem, legítima— de
fortalecimento do pequeno e médio agricultor, que se coaduna com um projeto de
descentralização populacional dos centros metropolitanos, o Brasil praticamente
enterrou o débil projeto de reforma agrária, encerrando os assentamentos e permitindo
a diminuição da agricultura familiar, importantíssima para o abastecimento das
cidades, mas incapaz de competir sozinha com a grande propriedade. Há ainda a
questão das lutas trabalhistas do trabalhador do campo, raramente sindicalizado
e sujeito à ordem patriarcal, e o rastro de sangue da voracidade da expansão da
fronteira agropecuária, que atinge pequenos proprietários, comunidades
indígenas e seringueiros.
O
que é crítico no país é que, tal qual a oligarquia cafeeira da República Velha,
surge poderosa a oligarquia do gado e da soja. A influência que esse grupo
possui na mídia e no governo explica as inúmeras menções honrosas à moderna
agropecuária, sem ser feito correlação com o processo de desindustrialização. O
problema do campo é escondido, e os grupos de trabalhadores rurais, como os
sem-terras, estigmatizados. É muito questionável, entretanto, uma modernidade
que se ampara na derrubada de matas, na depredação do solo e na violência
praticada por capangas ou, mais frequentemente, pelas forças policiais do Estado.
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MST Sebastião Salgado |
Infelizmente,
economista não vê povo, não vê fome, não vê miséria nem injustiça. Vê país
grande, Brasil potência, sexta economia mundial. Realmente, não é possível deixar
de verificar os aspectos benéficos da agricultura nos agregados macroeconômicos.
Mas, mesmo que a economia fosse algo restrito a eles, estaríamos em uma
situação de aparente conforto. Desde inícios do ano 2000, as exportações de
minério de ferro e de produtos agrícolas, notadamente a soja, garantiram
superávits na balança comercial, que em consequência diminuíram, relativamente,
nossa dependência externa e permitiram a acumulação de divisas. O vício do
conforto com frequência nos impede de tomar medidas racionais. É a própria
exportação exuberante de soja, carne e minério de ferro, além da entrada de
capitais especulativos, que sobrevaloriza o câmbio. O problema é que,
naturalmente, um câmbio valorizado tenderia a diminuir as exportações e,
consequentemente, encontrar um novo equilíbrio, mais desvalorizado. A farra das
commodities, contudo, age, juntamente com o tsunami de capitais, na
hipervalorização do câmbio. Mecanismos do governo que busquem a desvalorização
da moeda nacional devem se cautelosos, pois isso representaria um incentivo
ainda maior às inversões na agricultura. Independentemente do câmbio, tem-se
que desestimular o investimento no agribusiness.
Apesar
de o equilíbrio no Balanço de Pagamentos ser algo desejável, o custo é alto. Essas benesses da
agricultura têm, no entanto, direcionado as escolhas do governo. Em detrimento
de uma política industrializante, as decisões tomadas fortalecem a agricultura
e a elite agrária. Nossa “vocação agrícola”, recentemente desenterrada, levou o
governo aos principais fóruns internacionais para defender a abertura dos
mercados agrícolas europeu e americano. Em troca dessa vantagem, sem dúvida
importante para os países agrícolas de baixo desenvolvimento, oferecemos nosso
mercado interno para os manufaturados estrangeiros. A classe média, já
deslumbrada com carros e equipamentos importados, explodiria em êxtase. Felizmente,
para nossa indústria, os europeus não abrem mão de sua política agrícola, que
consideram importante para a segurança alimentar e desenvolvimento social.
A
dicotomia industrialização-agricultura não é recente. A Revolução de 1930, se
não trouxe transformações sociais, teve um impacto fulminante nesse ponto, já
que representou o abandono da “vocação agrária” por uma política
industrializante. O governo, naquele momento, optou por uma política econômica
que favorecesse o país como um todo, finalizando um período em que os
interesses da elite oligárquica prevaleciam. Para se ter uma ideia, o peso do
café nas exportações caiu para 32%, em 1940, ante 70%, em 1930.
Ainda
que haja inúmeras diferenças entre os cafezais de outrora e o modo de produção
utilizado atualmente, observamos a volta triunfante da oligarquia rural nas
esferas de poder e na imprensa. Os impactos da agropecuária no processo de desindustrialização
estão sendo, infelizmente, negligenciados, haja vista o silêncio dos meios de
comunicação e dos economistas do governo. Se o sério problema da
desindustrialização, um atraso no desenvolvimento do país, conta com outros
aspectos relevantes como a China e a entrada de dólares, o incentivo dado à
expansão agrícola tem participação importante, com o agravante de comprometer o
interesse coletivo em áreas estratégicas (social, política, ambiental), para favorecer interesses eminentemente privados e oligárquicos.