quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Livre-arbítrio?

                                                    André Dahmer
  

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Papus desvairados

Outro dia, discuti seriamente com um amigo sobre “temas variados da política brasileira”. Horas de conversa madrugada adentro, a amizade era desafiada pelo poder de fogo das ironias, mais amargas a cada trago. Enquanto incorporávamos a cachacinha ao nosso cardápio etílico, insistíamos em interpretações distintas da nossa sociedade e em como mudá-la. A conversa foi ótima, do contrário não teríamos sido interrompidos apenas pela insistência da alvorada. Nosso embate noturno, quase uma disputa de cães famintos, fez-me refletir, contudo, sobre os motivos para tamanha passionalidade. Com mais sobriedade, percebi que algumas convicções dificilmente mudam em uma discussão, favorecendo a intransigência sobre a racionalidade. Ainda que possa parecer um pouco óbvio, ficou clara a relação que essa passionalidade discursiva possui com o posicionamento dos interlocutores dentro da clássica divisão ideológica direita e esquerda, controversa para alguns, mas sem dúvida largamente utilizada, inclusive pelos ébrios de que me ocupei no início do parágrafo.
Ainda que seja uma rápida e superficial definição, pode-se dizer que o pensamento esquerdista, independentemente das várias correntes que possui, leva em conta, acima de tudo, a noção de justiça social. Onde ela é deficitária, prevalece-se a necessidade de mudança, de transformação da sociedade. De maneira análoga, a direita, mesmo admitindo muitas vezes a injustiça e a desigualdade, recusa as soluções que proponham uma mudança rápida, preferindo que os acontecimentos sigam um curso próprio, além de defenderem a meritocracia e a mínima intervenção estatal. Direitistas e esquerdistas, quando têm confrontadas as suas noções de justiça, amiúde assumem uma posição extremamente defensiva, com raros acenos à convergência de seus pontos de vista. A racionalidade, embora possível, ocorre somente quando tais campos são respeitados ou, no mínimo, tratados com cautela.
Tentando ampliar um pouco o alcance da simplificação proposta, assevero que a passionalidade durante uma argumentação pode apresentar-se em diferentes posições dos interlocutores no amplo espectro ideológico. Apesar de ter utilizado a dicotomia direita e esquerda, a insanidade discursiva não precisa ocorrer entre xenófobos neonazistas e comunistas revolucionários. Na própria esquerda, por exemplo, é possível encontrar divergências que fugiram do alcance de um debate convergente (vide, por exemplo, o embate entre os comunistas e os social-democratas, na Alemanha, a partir de 1918, que inclusive facilitará o fortalecimento do Nazismo, 15 anos depois). Embora haja controvérsias sobre a identificação política (como diz um amigo, existe muito liberal fantasiado de bolchevique), conversas excessivamente “calorosas” geralmente representam uma distância no espectro político.
Há, entretanto, outros vários fatores responsáveis pelo andamento de uma discussão, e cada um deles mereceria uma discussão à parte.  Como desejo enfatizar a influência ideológica, apenas menciono especificidades como a personalidade, o conhecimento que cada parte possui no assunto, a capacidade de persuasão e de argumentação e a proximidade com o tema tratado (neste caso, a proximidade pode ser socioeconômica, política ou sentimental). O último caso é interessante por diversos motivos e sua relevância na passionalidade pode ser descrita de inúmeras formas. Por exemplo, os moradores da Rocinha possivelmente possuem opinião distinta dos moradores da zona sul carioca em relação às aclamadas UPPs. Da mesma forma, as evasivas resoluções da ONU, tomadas em Genebra, estão longe demais da realidade de sofrimento dos guetos palestinos.
O meu objetivo não foi o de anular a passionalidade, o que, aliás, seria praticamente contraproducente, senão falso. Há horas em que a indignação faz-se necessária, e meias palavras não servem. Mas entender a passionalidade pode desencadear conversas mais interessantes ou, ao menos, evitar de uma vez o confronto e falar logo de futebol ou outra banalidade.  O exercício psicanalítico de entender o outro pode, ao limitar em certos casos a veemência, preservar o bom relacionamento entre as partes, muitas vezes mais importante do que a própria discussão.