Sei que busco um caminho mais tranquilo. Se a intenção era escrever sobre cinema, por que não Fassbinder, Tarkovski, Herzog ou Lars von Trier? Acho que me faltam os “cojones” pra empreitada. Ou é preguiça de encarar as metáforas e simbologias de “Anticristo”, por exemplo. Em todo caso, acho que o esforço valerá, ao menos, para dizer que o “rei está nu”. Este é o caso de Argo.
Tenho curiosidade sobre o tema, a
Revolução Iraniana. Aliás, um filme que não tenha a Europa Ocidental ou os Estados
Unidos como cenário já ganha algum ponto. Para apimentar o paladar, o Oscar de
melhor filme entregue pela primeira dama americana e a indignação imediata do governo
iraniano. No mínimo, o filme deve ter um apelo político forte, para justificar
a celeuma, pensei. Rendi-me à curiosidade e fui assistir ao danado, torcendo
para ser surpreendido.
Mesmo não sendo adepto de teorias
da conspiração, acredito que neste caso houve um conluio entre o Ahmadinejad e
o governo americano para promover o filme. Somente isso justificaria tanto
barulho por uma película anódina.
Para começar, as únicas ofensas ao
regime dos aiatolás ocorrem nas cenas de entrada e saída do espaço aéreo
iraniano, momentos em que a comissária de bordo anuncia a proibição ou relaxamento
do consumo de bebidas alcoólicas. Dá-se para ter uma boa ideia dos rumos “progressistas”
que a revolução estava tomando. É bem verdade que por aqui proíbem “unas cositas”
e, quanto ao álcool, a Lei Seca está a caminho, mas convenhamos: se tu não
podes beber a 40 mil pés de altitude, imagina o que não estás impedido de fazer
em terra. O Irã prometeu uma réplica cinematográfica. Muito provavelmente
enaltecerá os valores da família e da religião, tal quais outros movimentos
reacionários.
Então o que haveria de diferente
em Argo? Não ouvi ou li críticas mais
interessantes do que apontar certa imparcialidade do diretor Ben Afflect ao tratar da
relação iraniano-americana pré-revolucionária. Isso porque o filme faz um
retrospecto histórico, no qual mostra que os defensores da paz e liberdade
ajudaram a instalar outro regime despótico e impopular no planeta, mais um adepto
da tortura e de execuções políticas. Parece uma verdadeira cartilha reacionária,
aplicada uma miríade de vezes na América Latina, África e Ásia durante todo o
século passado. Mas é no mínimo questionável
que tenha havido grande ousadia do diretor nessa “autocrítica”. Cada vez mais
distantes dos acontecimentos, fica claro o tipo de participação geopolítica que
os EUA empreenderam nas últimas décadas. Em tempos de Wikileaks, mesmo os mais
ingênuos possuem uma noção do trabalho sujo cometido recentemente no Afeganistão (2001),
Venezuela (2002), Iraque (2003). Não houvesse esse mea-culpa, o
filme se assemelharia demais aos congêneres hollywoodianos que têm a guerra
como cenário. Pois, todos os outros apetrechos já estão presentes: perseguições
fantásticas, tiros e a bandeira americana balançando no final. Aos olhos
incautos, todavia, bastou leve verniz de imparcialidade para esconder os
maniqueísmos clássicos do cinema americano.
O diretor esforçou-se em mostrar a corrente revolucionária fundamentalista islâmica, que
acabou, de fato, predominando. Ignorou a participação de outros setores da
sociedade, muitos dos quais progressistas. Desdenhou o caráter político da
invasão da embaixada estadunidense em Teerã, um ato de soberania popular, anti-imperialista, ao
mostrar uma violência desordenada, que seria fruto do radicalismo religioso. Mais
um filme a reforçar a visão ocidental estereotipada do oriente, o que Edward
Said denominou Orientalismo. Em vez
de tentar desvendar as especificidades de povo plural e multifacetado, optou-se
pela visão limitada da Fox News.
Para mim, foi a ambientação “anos
70” o ponto alto do filme. E a cena da festa regada a uísque na véspera da fuga,
o clímax. Especialmente o momento em que toca, direto de uma vitrola, “When the
levee breaks”, do Led. Visão particular de um amante da boa boemia.
Deixo duas dicas para quem quiser
conhecer um pouco sobre a Revolução Iraniana. Há um documentário1 premiado
da BBC, que me pareceu bem completo e didático. E o filme Persépolis, uma animação
bela e sensível, que a narra a revolução a partir do ponto de vista de um setor
mais progressista e laico da sociedade persa.