sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Tecendo a Manhã

Acho que não poderia começar melhor o blog do que surrupiando uma poesia do João Cabral de Melo Neto. Detratores e defensores da globalização, assim como o próprio João, não poderiam imaginar que o poder de disseminação da luta e da esperança chegasse a este ponto. O grito, outrora calado, chegou longe. Se fosse escrever as nacionalidades que despertaram nas Primaveras e Verões, a lista iria longe. Cada qual a seu modo, cada grito, uma luta. Em Estados despóticos, democracia; em supostas democracias liberais, o seu desmascaramento.

Os galos brasileiros, contudo, estão sonolentos. Ou talvez, depois de tantas bordoadas (1695, 1721, 1789, 1798, 1837, 1898, 1935, 1964), estejam roucos. Não é difícil de encontrar, em gritos estrangeiros, parte de nossas reivindicações. Concentração de terra, desigualdade, democracia capenga e povo analfabeto. Como foi possível que tenhamos nos iludido com falsas riquezas de soja e carne, que só agravam o nosso arcaísmo como nação? Quando faremos uma revolução por igualdade, terra e livro?


 
Tecendo a manhã  (João Cabral de Melo Neto)

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; e de outros galos  
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

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